quinta-feira, 24 de julho de 2008

Retalhos da vida de um Bodo

Era um ano quente, como este. O cheiro dos cavalos misturava-se no ar com aromas de bolachas, sumos e chouriços de carne. Todos ali em exposição, todos movidos a força empreendora, daquela que nesse tempo era a imagem de marca de Pombal. Foi há uns 17 anos, por aí. O dia tinha sido longo, entre inaugurações pomposas (houve um tempo em que as festas justificam a vinda de dois ministros: um na abertura outro no encerrameno), correrias
muitas e, para mim, verdadeiro serviço de reportagem. É verdade: houve um tempo em que tudo era a sério: os jornais, as rádios, a camaragem. O Bodo. O agro-Bodo. A feira, a exposição. Eu nunca tinha estado frente a frente com um ministro e não poderia adivinhar que, pela vida fora, haveria de querer pagar para me manter longe deles e das suas inugurações e visitas. Era Laborinho Lúcio, esse, que entrevistei nessa tarde, que veio falar de um novo tribunal para Pombal, talvez. Pediu-me lume, depois. Fumávamos os dois SG Light, nesse tempo. Exemplo de humildade e grandeza, o homem percebeu tão bem a minha triste figura que fez de tudo para tornar mais leves aqueles minutos que pareciam anos. Depois voltámos a falar no Manjar do Marquês, para onde a Câmara encaminhava a comitiva, no jantar de abertura. Também me lembro dos jantares de encerramento. Às vezes cantávamos os parabéns ao Diogo. Nesse ainda não. Ele (já) andava por lá, claro, mas só uns anos mais tarde haveria de assumir funções de vereador e às vezes de fantasma, como este ano. Pois, isto não é de agora.
Voltemos ao largo da feira, ao Arnado de terra batida. Cumprida a função, ficámos por ali a comer farturas e a cantar. Estavam lá uns amigos do João Pimpão que queriam ir estudar para Coimbra e saber cantar fado. Alguns conseguiram. Mas nessa noite limitámo-nos aos sucessos de verão e aos popularuchos.
A barraca das farturas tinha duas mesas montadas à laia de esplanada. Já só lá estávamos nós. Na mesa do lado, dois rapazes que partiram já deste mundo. Um deles meteu conversa comigo. Fizémo-nos amigos. Explicou-me ele, a mim, que para as pessoas da cidade o bodo era aquilo: comer uma fartura e beber uma imperial à hora que nos apetecesse, de preferência tarde, e fazer cardal acima, cardal abaixo a rever amigos. Que o cartaz não interessava, ainda por cima pagava-se e a malta não estava para isso.
Eu nunca tinha vindo ao Bodo. Como eu, uma parte considerável de quem mora espalhado pelas 17 freguesias que povoam os tais 640 km2 que fazem o concelho de Pombal. Foi nesse ano que me senti pombalense pela primeira vez, mesmo antes de aqui morar. Como se aquela festa sempre tivesse sido minha e eu dela. Como hoje. O Bodo tem uma mística sim. Noutra dimensão que não esta, dos milhares de euros e da megalomania.
Foi isso que tentei passar ao meu filho. Acho que consegui. Fiquei toda orgulhosa quando o ouvi cantar o "oh meu pombal", que aprendeu este ano para a peça teatral da festa da escola, onde a turma recriou a lenda do Bodo.
É isso que vou passar à minha filha. Aposto que ela quis nascer antes do tempo porque queria ir ao Bodo, a gaja. Cardal acima, Cardal abaixo, que o estádio é muito longe e esse não é o meu Bodo.
Hei-de comer farturas e beber a imperial da ordem. Em memória desse amigo que me mostrou a essência do Bodo pela primeira vez. Chamava-se Paulo Guerreiro e morreu vai para dois meses.
Quanto ao resto...boda-se, como diria o Daniel Abrunheiro.

1 comentários:

Professor

O Bodo são quatro dias, um pouco mais que o Carnaval, mas o "Não há Bodo que não dê em fartura" devia ser eterno, quotidiano, das vicissitudes politicas, sociais e humanas desta terra que tanto medo tem de se questionar!
Escrevam diariamente, aproveitem os vossos méritos que são muitos; não tenham medo do vosso "protagonismo". Olhem que o tal super protagonista não morde!
Um abraço para todos
Luís Filipe

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